Segunda-feira, caminho pelos corredores da escola com uma lista na mão, passando por diferentes salas de aula, e convoco alguns estudantes do 6º ao 9º ano para que estejam presentes na minha sala em 30 minutos, pois tenho um recado importante para eles. Enquanto anuncio os nomes um por um (confesso que mantenho a postura do “professor malvadão”), percebo o olhar desconfiado entre eles, o que quase me faz sair do personagem.
Retorno à minha sala e aguardo a chegada dos estudantes, que vão chegando aos poucos, assustados e com a cabeça baixa. Peço que se sentem e questiono: “Vocês sabem por que estão aqui?” Um aluno retraído no fundo responde: “Não, professor, mas com certeza não é algo bom!” Eu lhe digo: “Depende do seu ponto de vista!”
Então, mostro a eles um vídeo de uma galera desenvolvendo tecnologias em uma feira, com muitas luzes e todo o brilho que esse tipo de evento pode oferecer, e pergunto: “E aí, o que acharam?” As respostas foram entusiasmadas: “Caraca, que coisa louca, professor!” (Devo registrar aqui o uso da palavra “caraca”, pois é algo que costumo dizer em sala de aula e é engraçado ver os estudantes reproduzindo.)
Explico que na sexta-feira iremos todos juntos para a feira e digo a eles que já preciso enviar os nomes dos participantes hoje mesmo. (Essas “burocracias” sempre atrapalham.) Nesse momento, um estudante se levanta e pede para não ir, pois não teria nenhum amigo na turma e se sentiria sozinho. Compreendendo sua escolha e respeitando sua autonomia, pergunto: “Você tem certeza?” Ele diz: “Sim, professor, pode dar minha vaga para outro estudante!”
Porém, é importante esclarecer que, como educadores, muitas vezes somos confrontados com a difícil tarefa de escolher apenas alguns estudantes para participar de eventos, pois, infelizmente, quando ocorrem eventos assim a rede pública de ensino não consegue atender a todos os estudantes. Nesse caso, a escola só conseguiu 20 vagas para o evento, o que causou o desafio de selecionar um pequeno grupo entre mais de 300 estudantes. As escolhas não se basearam em notas, mas sim em critérios como diversidade, nacionalidade, faixa etária e outros aspectos, que ficarão em segredo. (Fiquem curiosos!)
Após essa quebra de linearidade, envio os nomes dos participantes para oficializar quem iria ao evento. Nesse momento, outros estudantes questionam: “Poxa, professor, por que eles vão e eu não?” E eu respondo: “A escola queria levar todos, mas, como não é possível, levaremos esses estudantes, pois alguns de vocês já foram em outros eventos ou estão faltando nas aulas.” Às vezes, sou confrontado com esse tipo de situação, mas é mais um desafio que enfrentamos nós, professores, diante dessa jornada que é a educação. Felizmente, os estudantes do Espaço de Btita são muito parceiros, e temos com eles um grande afeto como professores e professoras da comunidade, o que alivia um pouco o peso das escolhas e respostas que damos a eles.
Na quarta-feira, uma das estudantes me chama e diz: “Professor, minha mãe não vai me deixar ir.” Prontamente, conhecendo a realidade de algumas crianças, pergunto: “Você não vai porque precisa cuidar de alguém, não é?” Ela responde com um enrugar de sua testa e um lento movimento de cabeça. Como conheço todas as dinâmicas familiares, não insisto naquele momento e digo a ela: “Fica tranquila, na próxima vez você irá!”
Finalmente, chega a sexta-feira, e o ônibus que nos levaria ao evento não poderia passar em nossa escola, mesmo com todas as autorizações enviadas a tempo (aliás, essas autorizações que não permitiram que eu colocasse outras pessoas no lugar dos que não podiam ir). Por sorte, dividiríamos o ônibus com outra escola, e a professora deles pediu ao motorista que passasse por nossa escola. Foi um momento de nervosismo para mim, enquanto os alunos estavam ansiosos e sorridentes, sem saber do meu desespero (a não ser que alguém deles leia este texto agora).
Enquanto esperávamos o ônibus, passei todas as orientações para os estudantes sobre como se organizar dentro do evento, pois era um local grande e fácil de se perder. Era como se eu fosse um pai falando para os filhos: “Olhem aqui, se causar no rolê, não saio mais com vocês!”
Apesar disso, consegui transmitir as orientações finais e, principalmente, a responsabilidade que eles teriam no evento de coletar depoimentos e entrevistas sobre o papel da tecnologia em uma sociedade tão desigual como a nossa, para que se tornasse uma matéria no programa de educomunicação “Imprensa Jovem”, da prefeitura de São Paulo! A resposta deles foi tranquilizadora: “Pode ficar tranquilo, professor!” Em minha mente, eu pensava: “Sim, vou ficar super tranquilo…”
E ficaria mesmo, pois estávamos indo para um evento incrível, no qual muitos deles (talvez todos) nunca tinham participado antes. Eu não queria ser o chato que ficaria cobrando o tempo todo para que escrevessem e prestassem atenção. Queria que eles se divertissem e aproveitassem ao máximo, porque sabia que em uma conversa de 30 minutos depois do evento, o material estaria pronto!
O ônibus chega, e distribuo algumas tarefas: entrego a máquina fotográfica para uma estudante, o cesto com os lanches para outro, minha mochila com outro aluno. Sim, a educação é coletiva, em todos os sentidos (risos). Por fim, corro atrás da última estudante, que ainda estava no recreio da escola. Ao subirmos no ônibus, nos encontramos com os estudantes da outra escola. Alguns trocam cumprimentos tímidos, o que é normal entre jovens. Agradeço muito à professora por ter pedido ao motorista que passasse em nossa escola!
Depois de alguns minutos, já estávamos no evento e uma das estudantes me diz: “Ah, professor, já chegamos! Achava que iríamos viajar pelos menos umas três horas de ônibus, poderíamos ficar aqui por mais tempos!” É isso, as referências de alguns jovens marginalizadas são bem diferentes de outras pessoas que passam 3 horas num “carrão” num trânsito indo para o shopping! São apenas referências diferentes!
Chegamos então ao evento, e os olhares dos estudantes já começam a brilhar. Eu e o outro professor que me acompanhava comentamos: “Nossa, olha só, a molecada está super animada!” A fila já se transforma em festa, e eles começam a tirar fotos de tudo, do poste, do lixo, da parede, do chão, das mochilas, de tudo mesmo! Uma das estudantes começa a filmar absolutamente tudo. Era algo impressionante, e a partir daquele momento, o sorriso não sai mais do rosto deles! Além disso, o fato de outras escolas públicas de São Paulo estarem lá também dava mais conforto e segurança a eles! Afinal, nós nos conectamos com os nossos, e ver muitos uniformes da rede pública aliviou meu coração, pois um dos receios que eu tinha era que nossos estudantes ficassem marginalizados em meio a uma estrutura visualmente excludente, mas isso não aconteceu!
Reúno todos na entrada e distribuo as pulseiras que dariam acesso a todos os lugares do evento. Um dos estudantes pergunta: “Professor, isso é tipo uma pulseira VIP?” Eu respondo: “Sim mano, você pode entrar em qualquer lugar!” Outro estudante ao lado dele diz: “Ei, finalmente você vai poder entrar em qualquer lugar!” Essa frase me atingiu como uma porrada, pois muitas de nossas crianças enfrentam paredes e limitações impostas pela estrutura urbana neoliberal.
Sim, meus estudantes eram VIPs!
Ao entrarmos, as luzes nos envolvem, e há tanta coisa acontecendo, uma verdadeira multidão! Existem coisas que a educação nos proporciona, e uma delas é a confiança. E essa confiança foi o que me apoiou, pois eu sabia que eles queriam que eu os deixasse livres para voarem por aquele lugar. E foi exatamente o que fiz! Reuni todos e disse: “Ao meio-dia, todo mundo aqui neste ponto. Divirtam-se à vontade!”
A educação não pode ser marcada pelo controle dos corpos nem por modelos que impõem inúmeras justificativas burocráticas para estarmos ali. Lembra que eles deveriam escrever uma matéria para ser publicada? Pois bem, eu tinha duas opções naquele momento: deixá-los livres para curtirem tudo ou ficar em cima deles para produzirem a matéria. Acho que se você chegou até aqui, já tem a resposta.
Mas antes que surjam respostas do tipo “irresponsável” (Como assim professor, você os deixou sozinhos e sem fazer a lição!), saiba que a matéria já estava sendo construída desde a segunda-feira, quando reuni todos em sala de aula e conversei sobre o evento. Confesso que ao vê-los se espalhando pelo evento, senti uma certa apreensão, como se fossem grãos de areia jogados em alto mar, cada um pegando uma correnteza e indo em direções opostas. Em poucos segundos, não tinha mais nenhum estudante à vista, mas sabia que estávamos em um ambiente seguro, junto a muitos estudantes da rede municipal e muitos colegas da educação circulando pelo evento.
Então, também saí para apreciar as novidades da tecnologia e observar se, de alguma forma, aquilo tudo chegaria em breve para a rede pública de ensino.
Enquanto caminhava, vi uma das estudantes realizando anotações e gravações em seu celular, junto a representantes de algumas empresas que por lá estavam. Ela estava cumprindo o que lhes foi solicitado antes, e não precisei ficar ditando o que fazer. Eles já sabiam o que também deveriam fazer! Isso é confiança! Naquele momento, a vontade de correr e abraçar a estudante era enorme, pois, independentemente do resultado do trabalho que estava realizando, ela estava mostrando que a confiança no processo de ensino e aprendizagem é muito maior do que um mero depósito de conteúdo que alguns currículos nos sugerem. Mantive distância para que ela não me visse e continuei caminhando, quando ouço um “professor, professor” vindo de trás de mim. Era outro estudante dizendo: “Prof, já fiz duas entrevistas, está tudo bem?” Respondi prontamente: “Está ótimo!”
Mesmo com todas as luzes, novidades da tecnologia, jovens e mais jovens, música, robôs e tudo que uma criança do século XXI adora presente naquele lugar, os estudantes optaram por cumprir suas responsabilidades em vez de ficarem à deriva pelo evento. Mais uma vez, a confiança em um processo de educação é muito maior do que qualquer modelo curricular!
Chega a hora de nos encontrarmos, e todos, absolutamente todos os estudantes, estão lá no ponto combinado ao meio-dia. Juntamos todos e fomos almoçar. Enquanto caminhávamos para o restaurante, um dos estudantes diz: “Professor, este é o melhor passeio que já fiz na minha vida!” Durante a refeição, conversamos sobre as curiosidades dos países de nossos estudantes. Devo mencionar que tínhamos estudantes de 5 nacionalidades diferentes: brasileiros, afegãos, angolanos, bolivianos e peruanos. Foi uma risada só ao descobrir as particularidades de cada país! Novamente, a matéria estava sendo escrita!
Depois de cerca de 40 minutos almoçando e conversando, saímos do restaurante. Eu e o outro professor fizemos um combinado com eles: “Às 14h10, todo mundo no ponto de encontro, pois teremos que ir embora, ok?”
Às 14h10, todos estavam lá! Com as entrevistas, fotos e áudios realizados…
"A tecnologia mais eficiente criada pelo ser humano não são as máquinas tampouco os meios super mega ultra powers digitais, mas sim o diálogo, uma ferramenta de uso simples, mas de grande potencial em conectar, ajudar, colaborar e principalmente, AMPLIFICAR! -"