5h30 da manhã. O despertador anuncia mais um dia de trabalho. Estou um pouco resistente em levantar pois dormi horas antes “terminando” as tarefas do dia anterior. Sim ! corrigindo provas para computar em sistemas burocráticos da educação. Considerando os dez minutos de “soneca” que já passaram, não me resta mais nada a não ser pular da cama…E, entre um café acelerado, com um amontoado de cadernos e livros dentro de uma mochila ( que contém apenas um zíper! ), corro até o ponto de ônibus porque o dia já começou !
Chego em meu outro ambiente de trabalho além da minha casa: a escola.
Dez minutos antes de iniciar a jornada, sento-me naquele velho sofá doado por um “amante” da educação e, com o celular em minhas mãos, digitando as notas que ainda faltam, observo um professor(a) após outro(a) chegando. Alguns xingando, outros rindo, outros fofocando acontecimentos do dia anterior e TODOS muito cansados.
O sinal toca e cada um levanta a seu tempo, empilhando livros e envelopes de provas em seus braços para serem entregues aos alunos. Faço o mesmo, apenas não levo as provas para serem entregues, pois, no correr matinal, esqueci-as na minha casa, mas as notas estão digitadas. UFA!
No caminhar até a sala de aula muitos alunos cruzam pelos nossos caminhos com uma única pergunta: – E aí professor, quanto tirei? Fui bem? Fui mal? Prefiro não responder porque às 7h02 da manhã a primeira coisa que quero escutar é um bom dia e não um interrogatório. No caminho do corredor até a sala de aula – embora possa ser curto – , corre em minha cabeça todo o planejamento do dia, inclusive o anúncio das notas.
Aguardo a entrada de todos os alunos na sala de aula, ponho-me à frente da sala, digo bom dia e, em simultâneo, anuncio-lhes: – Amores e amoras do meu core, esqueci as provas corrigidas na minha casa, porém tenho as notas aqui comigo, querem saber? Ao fundo um aluno responde: – Professor, fica tranquilo, o que importa para nós é a nota mesmo, não a prova! Sua fala vira coro na sala e todos passam a repetir: – Professor, o que vale é a nota!
A situação descrita acima é muito comum nas escolas do Brasil, um sistema que computa notas e as fragmenta a partir da hierarquia numérica: quem é bom e quem é ruim. Isso denota um sistema que se pauta pelo ingresso ou não de um estudante no ensino superior, ou se ele está na média.
A burocratização do sistema acaba deixando professores (as), coordenadores, diretores, inspetores, monitores e todos que aqui se sentirem representados na arte de educar, extremamente exaustos. Infelizmente, a dedicação que se tem ao corrigir as atividades, oferecer comentários, tirar as médias, levantar informações personalizadas para entregar uma melhoria constante ao estudante, acabam sendo resumidas em notas que variam de 0 a 10.
As notas são para os (as) alunos(as) ou para os (as) professores (as)?
Além disso, vivemos a padronização da avaliação com elementos que não podem ser respondidos por todos os professores(as). Por exemplo, pedir para professores de todas as disciplinas avaliarem o aluno a partir de um projeto “imposto”, em que o docente não se sente representado por ele, demonstra que este apenas cumprirá o seu papel burocrata para avaliar o 0 ou o 10.
Apesar de algumas escolas observarem a avaliação como um instrumento global e formativo, muitas ainda ficam presas, essencialmente, ao currículo e ao cumprimento de prazos, sejam eles bimestrais ou trimestrais. Provavelmente, você já escutou frases do tipo: – Nossa, se eu perder essa aula, ficarei com o conteúdo atrasado e os alunos não vão conseguir fazer a prova! ou : – Que bom ter feito a revisão para a prova, os alunos estão preparados!
Então, voltemos para o coro da sala de aula: – Professor o que importa é a nota! Eles são o retrato do sistema que construíram para nós, um retrato triste de uma linha de produção conteudista e sem significado! Afinal, quando você termina o livro e digita a nota, não termina o aprendizado, apenas finaliza as páginas do material adquirido pelos responsáveis, ou seja, o papel!
Como resultado disso tudo temos escolas que dão notas e alunos que recebem notas, embora possa parecer extremante binário, dar e receber, é assim que instituímos nosso sistema de avaliação. Um sistema que tortura, que cansa e que nos leva a uma competição interminável de modo a entregar notas.
Viver uma educação só de atribuição de notas é engaiolar o aluno e, consequentemente, o estudante apenas visualiza um número no boletim. Rubem Alves já dizia “as escolas precisam de asas para voar”. E, se alunos engaiolados são alunos sob controle, o que dizer então de professores engaiolados?!
Até aqui, conversei principalmente com os (as) professores (as), porém, como sei que este texto alcança muitas pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a educação, peço licença para deixar aqui uma provocação: se a nossa luta é para que nossos(as) alunos(as) sejam cada vez mais livres e críticos, porque não oferecer isso para os professores?
As notas, sim, são importantes para tomarmos algumas ações. Entretanto, hierarquizar, burocratizar, padronizar as notas como se todos os professores fossem iguais, somente reflete um modelo de aluno que quer ouvir apenas a nota, não se interessando em saber onde errou ou acertou!
O mundo está aí! As avaliações têm que ser GLOBAIS e não podem ser resumidas em duas ou três questões cantadas um dia antes da prova, ou até mesmo no cumprimento frio do material didático.
“Tem hora que revolto com a vida atribulada que eu levo. E tem hora que eu me conformo.” Esta frase é da grande escritora Carolina Maria de Jesus. E, nesta escola do 0 ou 10, provavelmente, ela seria reprovada.
“É melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada…” Esta frase é do grande poeta Patativa do Assaré e, nesta escola do 0 ou 10, provavelmente, ele não seria professor.
Professores não são máquinas de zero e dez. PROFESSORES SÃO HUMANOS! Disso eu tenho certeza!
Por Rodrigo Baglini
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