Fogueiras no Ciberespaço – Metáforas Primordiais para a Aprendizagem no Século 21

Por Clarissa · 16 de junho de 2020

David D. Thornburg, Ph.D.

Esta é a primeira parte do artigo do futurista e filósofo David Thornburg. Ele é conhecido por enfatizar a importância do storytelling para comunicar conceitos e cultura tanto para nossos contemporâneos quanto para as futuras gerações. Seu uso de analogias e metáforas para elucidar diversos processos e ambientes de comunicação nos ajuda a entender que as respostas que buscamos sempre estiveram visíveis mas não necessariamente entendidas até que sejam explicadas para nós. 

Introdução

A mídia não é intercambiável – um aluno que usa a Web tem uma experiência completamente diferente de um assistindo televisão. As apresentações feitas em sala de aula são fundamentalmente diferentes de apresentações em vídeo dessa mesma aula. Como usamos cada vez mais mídias eletrônicas na educação, é essencial entender a natureza única de cada meio de expressão que encontramos.

Este artigo sugere que a aprendizagem ocorre em quatro espaços, dos quais apenas alguns são respeitados na maioria das escolas. Esse esquema oferece nova teoria para sistemas educacionais baseados em quatro espaços primordiais de aprendizado: fogueiras (informação), fontes de água (conversa), cavernas (conceito) e vida (contexto).

A teoria é explorada de maneira prática para mostrar maneiras por meio das quais a tecnologia pode trazer equilíbrio de volta ao nosso sistema educacional. A utilidade desses quatro espaços de aprendizado é demonstrada no contexto da World Wide Web como ferramenta educacional, utilizando uma nova perspectiva para avaliar sites e outras tecnologias como recursos educacionais. Os quatro espaços identificados pelo Dr. Thornburg são usados para criar um sistema educacional focado em atender as necessidades de alunos e educadores.

No início…

A existência de comunidades de aprendizagem provavelmente antecede a civilização. Ao embarcarmos em nossa grande aventura na infosfera do ciberespaço, podemos encontrar guias no lodo primordial da consciência.

Um aspecto fundamental dos ambientes de aprendizagem arquetípicos pode ser encontrado em um conto que ouvi pela primeira vez de Gregory Bateson:

“Um dia, alguém se sentou em um teclado de computador e fez a seguinte pergunta: “Você supõe que algum dia os computadores serão capazes de pensar como seres humanos?” Depois de processar essa solicitação por algum tempo, o computador exibiu a seguinte resposta: “Isso me lembra uma história …”

Embutida na história de Bateson está uma observação importante: uma das características distintivas dos humanos é que somos contadores de histórias. De fato, com a possível exceção de alguns mamíferos marinhos, podemos ser a única espécie de contadores de história que existe. Essa capacidade dos seres humanos é tão importante que Jean Houston se referiu ao mito como o DNA da psique humana.

Foto: unsplash.com

A fogueira do acampamento

Por milhares de anos, contar histórias foi um mecanismo de ensino. Embora não fosse o único mecanismo, foi (e é) um mecanismo importante. Através da contação de histórias, a sabedoria dos anciãos era passada para a próxima geração. Boas histórias sempre incorporaram uma mistura de aspectos cognitivos e domínios afetivos – de fato, na história, não há separação entre os dois. Por exemplo, uma versão de uma história da criação contada entre os povos indígenas do noroeste americano narra Raven trazendo luz de volta para o planeta depois de ter sido escondida pelo Avô. Ele havia escondido a luz porque queria acreditar que sua filha era a mais bonita criatura no Universo, e só poderia sustentar essa crença se ele nunca a visse. Através de truques, Raven rouba a luz e, por acidente, cria o sol e as estrelas. Esta história incorpora não apenas os aspectos cosmológicos da crença do povo, mas também o aspecto metafórico da expressão “ser mantido ou permanecer no escuro.”

Essa qualidade de nuances e múltiplas interpretações é comum à contação de histórias. É uma das razões pelas quais adultos e crianças podem curtir a mesma história juntos – cada idade tira da história elementos apropriados. O poder da contação de histórias, ou narrativa, é tão grande que, mesmo em tempos mais recentes (c. 250 aC), encontramos Sócrates respondendo ocasionalmente a seus alunos com o equivalente Grego de “Isso me lembra uma história.”

Existe uma qualidade sagrada no ensino como narrativa, e essa atividade ocorreu em lugares sagrados, tipicamente ao redor do fogo. O ponto focal da chama, os sons da noite, tudo fornece o pano de fundo para o contador de histórias que compartilha sabedoria com os alunos que, por sua vez, se tornam contadores de histórias para a próxima geração. Dessa maneira, a cultura se replica através do DNA do mito. A natureza muitas vezes tangencial da narrativa, seu uso de metáfora, seu ataque indireto a um tópico, todos se combinam para tornar a narrativa uma maneira eficaz de abordar tópicos que podem ser muito difíceis de se abordar diretamente. A história cria sua própria hélice em torno de um tópico. Como Robert Frost disse: “Sentamo-nos em círculo e supomos, enquanto a verdade se senta no centro e sabe”. 

E assim, de uma perspectiva arquetípica, a fogueira representa um aspecto importante da comunidade de aprendizagem. No entanto, somente esse aspecto não é suficiente.

A fonte de água

Assim como as fogueiras ressoam profundamente no espaço e no tempo, as fontes de água possuem o mesmo status no panteão dos lugares de aprendizado. Praticamente todo hominídeo do planeta teve, pelo menos uma vez em sua existência histórica, a necessidade de se reunir em uma fonte central de água. Durante essas viagens à fonte, as pessoas compartilhavam informações com seus vizinhos – aqueles dentro de sua própria aldeia, bem como os da vila vizinha e os viajantes a caminho de ou para uma vila distante.

A fonte de água tornou-se um lugar onde aprendemos com nossos iguais – onde  compartilhamos as notícias do dia. Esse ambiente informal de aprendizado forneceu um tipo diferente de comunidade de aprendizado daquele do xamã ou trovador que nos presenteou do pódio da fogueira. O aprendizado na fonte de água era menos formal. Tratava-se de ensino por pares, compartilhamento de rumores, notícias, fofocas, sonhos e descobertas que nos levam adiante. Cada participante no bebedouro é tanto aluno como professor ao mesmo tempo.

Assim como a água é necessária para a sobrevivência, o aspecto informacional da fonte de água é essencial para a sobrevivência cultural. Falarei mais sobre isso adiante. Por enquanto, basta dizer que a fonte de água está viva e bem em empresas onde as pessoas se reúnem em torno do bebedouro (ou, mais recentemente, a máquina copiadora) para continuar uma tradição de proporções arquetípicas. Executivos e funcionários reencenam diariamente cenas que foram exibidas no planícies da África por dezenas de milhares de anos. Qualquer desconexão dessa comunidade de aprendizagem informal nos põe em risco de se desconectar de um dos aspectos que nos torna humanos.

A caverna

A comunidade de aprendizagem da fogueira nos colocou em contato com especialistas e a comunidade da fonte de água nos colocou em contato com nossos iguais. Há um outro ambiente primordial de aprendizagem de grande importância: a caverna – onde entramos em contato com nós mesmos.

Através de lendas e artefatos, sabemos que, em todo o planeta, os alunos precisam, ocasionalmente, isolar-se dos outros para alcançar insights especiais. Se estes períodos de isolamento ocorreram na floresta ou em cavernas, sejam elas objeto de grandes rituais, ou apenas encontros casuais com insights pessoais, a importância de se ter tempo a sós com seus próprios pensamentos é conhecida há milênios.

A “busca da visão” praticada por alguns povos indígenas das Américas representa uma das representações mais significativas dessa prática. Após um longo período de preparação, o aluno é levado a uma caverna com nada além de um cobertor onde é deixado por dois dias sem comida. Durante este tempo, através da meditação, o aprendiz pode ter uma visão que pode moldá-lo ou guiá-lo através da próxima fase da vida. Além de ser um local de aprendizado, a busca pela visão também se torna um rito de passagem.

Esse rito de passagem tem outra interpretação na linguagem moderna: a passagem do conhecimento da condição de algo aceito externamente a uma crença internalizada. Esse “conhecimento” interno envolve muito mais do que memorização – envolve uma verdadeira percepção. Quando perguntaram a Carl Jung se ele acreditava em Deus, ele sorriu e disse: “Eu não acredito, eu sei.”

Todos nós já tivemos a experiência de necessitar desse tempo de internalização para aprender um dado assunto. Para Newton, isso pode ter acontecido enquanto estava sentado debaixo de uma macieira. Para Moisés foi no deserto. Para nós, essa internalização pode ocorrer durante uma caminhada na natureza, mas é igualmente provável que ocorra durante um momento de silêncio (ou dia ou semana) em relativa reclusão em uma biblioteca (outro local sagrado), escritório, quarto, cozinha ou escritório.

Aprendizes há muito se reúnem em volta de fogueiras, fontes de água e se isolam na reclusão de cavernas. Eles experimentaram todos esses ambientes de aprendizado em equilíbrio e, se esse equilíbrio é ameaçado, a qualidade do aprendizado sofre.


Para refletir:

Em qual dos quatro ambientes de aprendizagem você se sente mais confortável, ou gosta mais? E seus alunos? 

De que maneiras os quatro ambientes primordiais da aprendizagem humana estão presentes na suas experiências de ensino?

Como você pode alavancar o poder da narrativa, ou storytelling, assim como os quatro ambientes primordiais de aprendizagem para incrementar a sua prática pedagógica?

Leia o artigo original em inglês na íntegra em: https://homepages.dcc.ufmg.br/~angelo/webquests/metaforas_imagens/Campifires.pdf

conheça o autor

Clarissa

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6 respostas para “Fogueiras no Ciberespaço – Metáforas Primordiais para a Aprendizagem no Século 21”

  1. Fátima Rosane Silveira Souza disse:

    Esse artigo me lembra a mitologia Guarani, povos indígenas que vivem, principalmente nas regiões sul, Sudeste e centro-oeste do Brasil. Para eles, em uma das variações das narrativas mitológicas, o sol foi criado por Nhanderu, o karatê, e depois ele criou a noite. Depois que se houve a história de criação, a cosmologia Guarani começa a ser entendido de uma
    Outra maneira,

  2. Ivanilde Nunes dos Santos disse:

    O melhor local para mim é a biblioteca, onde permite a reflexão junto com meus alunos.

  3. Angela Diener disse:

    Muito bom texto

  4. Vera disse:

    Os 4 ambientes são fundamentais, a dificuldade é como convencer os professores que foram educados por e para as escolas tradicionais da importância de dar voz aos alunos para que tenham um aprendizado duradouro, sem que se sintam inseguros.

  5. Sandra Maria disse:

    Excelente texto. gostei muito desse leitura sobre ambientes e espaços primordiais de aprendizado: fogueiras (informação), fontes de água (conversa), cavernas (conceito) e vida (contexto).
    Como educadora que ama o que faz, me sinto a vontade nos quatro ambientes, mas adoro um fogueira, que me traz imagens e provoca reflexões, na caverna ou mesmo na vida. Trabalhando com a pedagogia Waldorf, o ensino e aprendizagem envolve perfeitamente esses aspectos.
    Meus alunos, gostam muito da fonte de água e da vida, contexto. Se envolvem na fogueira cheia de histórias e novidades, mas se libertam e se exercitam na troca e movimento.
    Agradeço as questões de reflexão.
    Abraço,
    Sandra

  6. Excelente texto!!
    Este momento de reflexão e silêncio é muito importante para gente olhar para dentro de nós!

    Abraço.
    Elenice

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