Mostra do conhecimento do professor ou dos alunos?

Por Rodrigo Baglini · 22 de junho de 2021

Se é uma mostra, vamos mostrar!

Quase 21 horas e ainda me encontro aqui na escola, eu e a dona Eunice, a monitora que decidiu fazer companhia para mim. Colo o último TNT na parede e acredito que, após mais de 18 horas de trabalho e muito “stress”, a sala está preparada para a mostra do conhecimento que irá acontecer amanhã, sábado, na escola. 

Assim que chego em casa, minha cabeça continua na escola e me lembro que acabei esquecendo de realizar algumas coisas fundamentais para a apresentação dos alunos. Programo o despertador para uma hora mais cedo com o objetivo de chegar depressa na escola e ajustar os últimos detalhes antes da chegada das crianças e de seus responsáveis.

Subindo as escadas para o corredor do piso superior – onde se encontra a minha sala temática -, passo por intensas movimentações de professores e professoras que, assim como eu, estão tensos para o início da mostra.

Foto: Q000https://pxhere.com/en/photo/1629581024.

Ainda tenho coisas para fazer, essa mostra me tira o sono!

Dez minutos antes da abertura oficial começam a chegar os alunos, tranquilos para participarem da mostra e, nós professores e professoras, transpirando toda a camiseta estampada com o tema da sala ( mandamos fazer às pressas um dia antes, tudo tem que estar perfeito). Alguns responsáveis me chamam de canto e dizem : – Professor Baglini, meu filho tem que sair um pouco mais cedo, pois hoje ele tem uma festinha,tá! Cada um tem sua prioridade e,definitivamente, a escola não é prioridade para alguns! 

Assim começa o dia de uma mostra do conhecimento nas escolas que ocorre todo ano e costuma celebrar os trabalhos desenvolvidos nesse período.

Algumas mostras escolares costumam apresentar aquilo que não se permite no cotidiano das escolas: a criatividade, a inovação e sobretudo a disrupção e, quando o protagonismo chama o aluno para computar uma obra para uma solução ou até mesmo um projeto maker, ele não está pronto para fazer, pois a carga burocrática e a constante entrega de relatórios e notas não permitem que o professor “ouse” tentar algo novo. Consequentemente, faz o “feijão com arroz” com os estudantes que colhem como resultado essa padronização da “perfeição” tão procurada por algumas escolas.

É tão verdade isso que a mostra é mais um instrumento avaliativo do último período da escola. Porém, também é um instrumento de pouca relevância, uma vez que  os responsáveis irão cobrar números frios num boletim que são marcados por apenas três algarismos 8,9 ou 10. Se a mostra não ajudar na nota do aluno a afirmação será:-Meu filho foi mal porque se envolver nessa mostra e não teve tempo de estudar para a prova!

Porém, em simultâneo, a escola utiliza essas mostras do conhecimento como “espetáculo” da  educação crítica que ela vem construindo.Fazendo isso, através de salas que englobam todo o trabalho dos alunos, você já sabe os bastidores  das mostras de conhecimento em que, na maioria das vezes, quem elabora tudo é o professor. Quando  digo tudo é “tudo” mesmo: o roteiro a confecção de todo o cenário, a correria para estampar as camisetas, as tardes em papelarias e os gastos do próprio salário com “lembrancinhas”!

ALERTA: alguns gestores avaliam o trabalho do professor conforme a sala temática que ele faz

Vivemos um momento na educação de contradições, não que outros momentos também não tenham sido, mas esse é colossal, pois as necessidades de uma educação que se paute pela criatividade e, principalmente, quebre paradigmas, se fazem extremamente necessários num contexto altamente veloz e dinâmico em que vivemos. Entretanto, mudanças são necessárias e com elas vem uma dor que ninguém quer sentir, pois gera bagunça, desordem, quebra padrões provocando o desaparecimento de alunos (aqui enquanto clientes). No conflito de gerações alguns familiares ainda estão presos a uma educação tecnicista que ocorrera há anos  não permitindo a criatividade e, infelizmente, valorizando a aprendizagem como um caderno cheio de textos e exercícios realizados. 

A escola por sua vez traz formações e mais formações de uma educação disruptiva, emancipada e que conversa com todas essas demandas que são muito caras para o século XXI. Essas formações acabam não refletindo na prática docente ao fechar a porta da sala de aula. Não  porque os professores e professoras não queiram, mas, sim, porque estão presos entre paredes que os sufocam diariamente. Paredes dos familiares, da gestão, do vestibular, do mercado de trabalho, dos relatórios, das entregas e, quando se pensa na rede privada, infelizmente, das matrículas.

Vivemos num mundo paradoxal de mudanças urgentes e altamente necessárias na educação, logo a criatividade é algo emergente que gera calafrios para quem “olha de cima”. Numa rápida pesquisa no Google encontrei para o verbete criatividade   a seguinte explicação 

“ Criatividade é inventividade, inteligência e talento natos ou adquiridos para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc.”

Tudo isso, denota caos, e como toda revolução, o caos se faz presente. O fogo queima e coisas são destruídas, o problema é entender quem será destruído na mudança da escola. Evidentemente espera-se que a educação bancária seja eliminada, o aluno sendo responsável pelo seu caminho e inventividade, saindo dos tentáculos de uma educação que mais lembra a mãe pata abraçando seus patinhos e não os deixando experimentar o gelo da água. 

Imagine como seriam as mostras do conhecimento se os “patinhos” fizessem tudo sozinho? SIM, seriam INCRÍVEIS! Com desordem é claro!

Photo by Sigmund on Unsplash 

A criatividade não é limpa e tampouco linear

Quando converso com alguns professores e professoras sinto a angústia deles principalmente quando dizem: – Aí, Baglini, eu e as crianças temos tantas ideias, mas você sabe como é, né! No fim o que manda é a prova e o boletim!

Minha resposta para os professores e professoras é um saudoso: eu entendo!

O poeta Sérgio Vaz traduz a nossa angústia   

“Uns esperando o mundo acabar. Outros, começar.

E eu sequer sei de que mundo sou.”

Quase 19 horas e finalmente a mostra do conhecimento terminou. Crianças  mostram aquilo que EU produzi, os responsáveis apreciarão  aquilo que eles contrataram e a criatividade ficou por conta de um chão limpo e paredes brancas. Mas…afinal segunda-feira tudo tem que estar pronto para mais um dia de preenchimento de apostilas. 

Foto: Jean-Pierre Pellissier

Atrás de uma parede lisa temos a criatividade, as “mostras do conhecimento” tem que ser dos alunos e alunas!

A mudança é muito dolorida e irá gerar muita bagunça, muita bagunça mesmo! Como toda mudança você só vê o resultado depois que a poeira abaixa… e para isso é necessário sacudir essa poeira!

conheça o autor

Rodrigo Baglini

"A tecnologia mais eficiente criada pelo ser humano não são as máquinas tampouco os meios super mega ultra powers digitais, mas sim o diálogo, uma ferramenta de uso simples, mas de grande potencial em conectar, ajudar, colaborar e principalmente, AMPLIFICAR! -"

2 respostas para “Mostra do conhecimento do professor ou dos alunos?”

  1. Luiz Fernando disse:

    Parabéns Rodrigo, sábias palavras. Sim, com toda certeza vivencie uma situação parecida, acredito muito no futuro da educação e tenho lutado pela sua transformação. Bora pensar fora da caixa!

  2. RODRIGO FERRARI BAGLINI disse:

    Gratidão Luiz…mto obrigado amigo!!!! Vamos juntos!!!!

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