Às sete horas da manhã, os pais, avós, irmãos e amigos começam a chegar na escola para uma reunião convocada às pressas, de extrema importância naquele momento. A expressão assustada dos rostos dos pais cobria um olhar profundo de alguns que passaram a madrugada trabalhando em oficinas de costura. Eles se encontram logo pela manhã com outros tantos ansiosos. Qual o motivo da reunião? A violência que pode surgir a qualquer instante na escola.
A escola se organiza para que aquela reunião não seja uma flecha unidirecional dos professores para as famílias, mas sim uma grande roda de conversa visando abraçar cada pessoa que se encontra aflita naquele momento. Dividimos a escola em dois grandes grupos, de forma que os professores e as famílias possam se sentir confortáveis e se dispor da melhor maneira possível. Em tom de companheirismo, nós nos apresentamos, uma a uma, como parte da unidade escolar e responsáveis por qualquer criança presente naquela escola, colocamo-nos ao lado das famílias, ombro a ombro, cadeira a cadeira.
A ansiedade de alguns pais em começar a conversar era evidente. Eles queriam respostas imediatas para todo o perigo que estavam recebendo em seus celulares, em sua TV e até mesmo com fatos “verdadeiros” de atentados ocorridos em escolas da região e que provavelmente também ocorreriam na nossa escola.
Os professores começam a reunião com a seguinte frase: “Nós escolhemos estar aqui! Esta escola foi escolhida por nós! Escolhemos os seus filhos!” Palavras que, assim como uma luz que se acende na escuridão, fizeram com que os semblantes que até então pareciam resistentes tomassem um ar de alívio. Neste exato instante, reforçamos o papel da escola numa sociedade caótica como o lugar do diálogo, do respeito, da empatia e, sobretudo, da segurança!
É claro que, ao mencionar a palavra “segurança”, no contexto atual, os pais, quase em olhares cruzados, levantaram a mão e perguntaram: “Por que a escola derrubou o muro? Qualquer um pode entrar aqui na escola! Nossos filhos estão desprotegidos!”
Em meio a esses questionamentos, uma voz ao fundo se levanta e diz: “É preciso ter um detector de metais, bem como uma câmera nas salas!” Outra fala emenda: “Onde está a grade da porta de entrada? Só temos uma porta de vidro! A polícia não existe! Como a escola está se comportando?
Naquele instante, enquanto os pais questionavam, reclamavam e propunham soluções de segurança pública para um espaço de educação, nós, professores e professoras, olhávamos um para o outro com pensamentos claros em nossas expressões do que venderam de escola para algumas pessoas. Todos nós sabíamos que esses anseios viriam, o que era legítimo naquele momento.
Todos esses discursos tornaram-se uma ótima oportunidade para mostrar qual é o papel da nossa escola para o território. Após toda a ansiedade desnudada em cinco minutos com conversas cruzadas, pudemos explicar o motivo da “ausência” do muro, câmeras e grades em nossa escola.
Então, as respostas começaram a surgir.
Ao abaixar os muros, passamos a permitir que a comunidade olhasse para dentro da escola, que as pessoas cuidassem da nossa escola, que a escola se tornasse uma referência acolhedora da comunidade. Afinal, toda hora tem gente passando na frente da escola para ir ao trabalho, pegar seu filho ou até mesmo questionando se pode usar a quadra da escola para jogar uma bola. Enfatizamos que não somos parte da sociedade, somos a própria sociedade, e com isso, os muros devem ser quebrados. Não faz sentido discutir uma educação emancipadora e aumentar os muros da escola.
Dessa forma, apresentamos alguns exemplos de problemas na escola quando o muro era alto. O muro alto escondia pessoas estranhas em nossa escola; alguns faziam necessidades em nossa escola (estamos numa região com muitos centros de acolhida para pessoas em situação de rua); elas fugiam da polícia em nossa escola; o jardim era destruído quando o muro estava alto em nossa escola. A escola, com o muro alto, não se protege, fecha-se para o mundo como se fosse um feudo, e tudo o que acontece ali permanece ali, das boas às más.
Você provavelmente deve pensar: “Quero ver os muros caírem no bairro onde minha escola está. Não dura nem um minuto.” Essa escola deve estar num local privilegiado! Se você pensar assim, vou poupar-te (gastei todo o meu português agora) de falar sobre a região em que a nossa escola está localizada…
As câmeras e as grades, dizemos, não são inibidoras de atos violentos na escola, mas sim glamourizam a violência por meio dos cliques e compartilhamentos, e levam a um ambiente hostil e nada acolhedor.
As escolas devem ser um lugar com curvas e cores, de circulação livre e de aprendizado.
Sem demora, um pai que estava na sala de aula levantou-se e disse: “Esta escola está segura e estamos confiantes em deixar nossas filhas aqui! Colegas, olhem como estão as outras escolas ao redor, repletas de muros, câmeras, grades e outras coisas que controlam os corpos, e a violência continua!”
E aí, você está melhor? Sei que, naquela hora, aquela risada amarela apareceu e um dos professores virou para o pai e disse: “Obrigado, companheiro!”
Havia passado uma hora de conversa e o tom era bem leve. Percebemos que os pais haviam se permitido conversar e que a escola nunca será um lugar de punições e controle, mas sim um lugar de escuta e diálogos.
Bom, agora podemos passar para outro assunto: o letramento digital. Como lidamos com as redes sociais e, sobretudo, com nossos filhos! Também demonstramos as nossas dificuldades de lidar com algo tão recente e, ao mesmo tempo, tão intenso quanto as mídias sociais. Afinal, a turbulência informacional que as mídias digitais nos proporciona também nos assusta. No entanto, demonstramos que, antes de tudo e qualquer criação digital, nos reconhecemos como pessoas e que, quando necessário, conversamos, abraçamos, escutamos e principalmente mostramos outros caminhos. Afinal, qualquer criança/jovem gosta de alguns caminhos meio nebulosos e, se negarmos isso, eles pulam no poço e, por ser muito fundo, não iremos ouvi-los quando necessário.
Sim, o poço foi apresentado para os responsáveis!
Deixamos claro: cuidem dos seus filhos, pois aqui cuidamos deles! A segurança não está presente no quarto quando seu filho clica nos perigos das redes informacionais que, hoje, já não são tão obscuras assim como outrora.
A reunião precisava terminar, pois muitos pais precisam trabalhar e nossos alunos estudar, mas uma professora pediu para encerrar a conversa e disse: “Vocês estão melhores?” E os pais responderam: “Sim, muito obrigado!”
Dessa forma, percebemos nas caminhadas leves dos pais ao deixarem a escola que, num país tão desigual como o nosso, a escola é o lugar mais seguro e agradável que uma criança pode ter. Quando esses eventos ocorrem, o resultado é a soma de outras violências criadas ao longo do percurso.
"A tecnologia mais eficiente criada pelo ser humano não são as máquinas tampouco os meios super mega ultra powers digitais, mas sim o diálogo, uma ferramenta de uso simples, mas de grande potencial em conectar, ajudar, colaborar e principalmente, AMPLIFICAR! -"
Uma resposta para “Não quero o silêncio, quero o DIÁLOGO!”
Sem comentários. Lindo texto! Verdadeiro! O diálogo sempre!.