Dia 20 de dezembro, o natal batendo em nossa porta, eu aqui, no silêncio da sala dos professores, viro a minha cabeça e observo a todos debruçados em seus notebooks, digitando relatórios, planejamentos, notas finais e planilhas e mais planilhas. Num outro espaço, acontece um rodízio de conselhos finais cujo objetivo é dizer quem foi ou não aprovado, embora, ao longo dos meus anos de sala de aula e inúmeros “conselhos” eu já sei das respostas.
Ao mesmo tempo, algumas famílias vão surgindo na escola para se despedir dos professores, com sorrisos no rosto, agradecendo ao nosso belo trabalho neste ano de pandemia e falando o quanto somos heróis, lá vem o discurso do sacerdote, só falta o cajado!
Nestas idas e vindas em uma escola silenciosa, das salas de aula vazias, o único barulho que existe são dos dedos digitando as notas finais e alguns professores ousando pensar em 2022. Neste meio tempo, uma família aborda um professor que caminhava desesperadamente para mais um conselho e diz, com o boletim de seu filho em mãos, para o professor: – Ei! Muito obrigado por ser esta pessoa incrível que o senhor foi para nosso filho!
Todos, na sala dos professores escutam aquilo, e com o levantar das sobrancelhas, reconhecem que naquele momento, o boletim era o único passaporte para que os elogios a um professor fossem tão lindos e gratificantes que, de certa forma, criassem uma sensação de ofuscamento ao descaso que todos tivemos durante a pandemia por alguns setores da sociedade (embora isso seja uma recorrente secular).
Ao entregar o pedaço de papel, com os números que computam entre o 0 e o 10 (notas), os responsáveis por alguns estudantes nos elogiam, nos abraçam e até mesmo dizem: “-Nossa professor, que trabalho esse pequeno aqui lhe deu néh!” E nós, sobre o prisma da subserviência de um patrão, respondemos: “-Sim, ele deu trabalho, mas ele é ótimo!”
Esta resposta fora dada em relação a um aluno que, durante o ano todo, nos olhou como um funcionário, pronto a servir a mensalidade alta que ele pagava, por isso, as notas ali computadas seguiam conforme as longas doze parcelas, “compradas” por ele.
Conselhos, recuperação, planos de aula, enfim, são elementos sensacionais e muito necessários, desde que, não se tornassem elementos ilustrativos, deixando os professores presos em uma escola vazia, onde todos, ou quase todos os alunos já foram “aprovados” ao assinar a matrícula no começo do ano.
Minhas ideias estão em papéis sem rabisco, pois estou preocupado com as notas no boletim
Quero deixar claro que a discussão aqui não é sobre reprovar ou aprovar, pois, para isso, é necessário um amplo debate entre nós: professores e comunidade escolar; o debate em questão é sobre a precificação do “certificado de conclusão do ensino médio” e a objetificação do professor, enquanto elemento, que infelizmente reproduz alguns sistemas hipócritas por mando daqueles que só querem “cumprir a tabela” (não gosto desta expressão, mas irei apropriá-la aqui em minha fala).
Por isso, se chegou até aqui, já me sinto confortável em voltar ao início de nossa conversa, em que o boletim é o passaporte da “valorização” de nosso trabalho. Pense comigo, se este papel/notas não fosse a contento dos responsáveis/família, provavelmente, os elogios não seriam tônicos da valorização do professor, muito pelo contrário, seríamos chamados de irresponsáveis, preguiçosos, desorganizados e, na atual conjuntura, sociopolítica do Brasil de doutrinadores.
As “mudanças” que vêm sendo promovidas na educação nos últimos anos, são de fato essenciais e urgentes, porém, por muitas vezes, elas acabam criando um lastro para que alguns estudantes, sobretudo da escola privada, as utilizem como elemento de conforto para excluir o professor de seu verdadeiro papel, o mediador do conhecimento e, ao lado da família, a única pessoa que fala “não” para eles (embora algumas famílias tratem estes estudantes como “imperadores”).
Estou escrevendo este desabafo, num silêncio tumular, com inúmeras guias abertas em meu computador, livros de metodologias dispostos em minha mesa e planilhas que visam a aprendizagem para serem preenchidas. Diante deste turbilhão de sentimentos e revolta, agradecendo a companhia de todos vocês, que ao longo deste ano, me acompanharam neste blog e me abraçaram!
Não consigo findar esse meu sentimento de crepúsculo nesse fim do ano letivo, ao respirar esta sensação: de nós professores sendo produtos de promoção do capital via boletim e um relatório de “plenamente satisfatório”!
"A tecnologia mais eficiente criada pelo ser humano não são as máquinas tampouco os meios super mega ultra powers digitais, mas sim o diálogo, uma ferramenta de uso simples, mas de grande potencial em conectar, ajudar, colaborar e principalmente, AMPLIFICAR! -"